A ONU mobiliza governos, setor privado e sociedade civil
contra o desperdício, por melhoria nos sistemas de coleta e tratamento de
esgoto e pelo reaproveitamento máximo das águas residuais urbanasTânia
Rêgo/Arquivo Agência Brasil
A previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) é que, até
2030, a demanda por água no mundo aumente em 50%. Ao mesmo tempo, mais de 80%
do esgoto produzido pelas pessoas volta à natureza sem ser tratado. Diante
desse cenário, neste Dia Mundial da Água, lembrado hoje (22), a organização
mobiliza governos, setor privado e sociedade civil contra o desperdício, por
melhoria nos sistemas de coleta e tratamento de esgoto e pelo reaproveitamento
máximo das águas residuais urbanas.
As águas residuais são os recursos hídricos utilizados em
atividades humanas que se tornam impróprios para o consumo, mas podem ser
utilizados para outros fins após tratamento. Segundo a ONU, os benefícios para
a saúde humana e para o desenvolvimento e sustentabilidade ambiental são muito
maiores que os custos da gestão dessas águas, fornecendo novas oportunidades de
negócios.
Na avaliação do coordenador de Implementação de Projetos
Indutores da Agência Nacional de Águas (ANA), Devanir Garcia dos Santos, para o
Brasil, é essencial discutir o reúso da água já que o recurso, apesar de
abundante, não é distribuído uniformemente em todas as regiões do país. “Temos
regiões que têm carência de água e que têm potencial de fazer reúso. Muitas
demandas poderiam ser atendidas com o reúso”, disse, em entrevista à Agência
Brasil.
Segundo ele, além de atender às necessidades por água limpa,
o reúso também significa o tratamento de esgotos e dos efluentes domésticos.
“O Brasil tem um problema sério, a área atendida hoje é
pequena. Em torno de 35% da população é atendida com tratamento de esgoto, mas
isso está concentrado nos grandes centros. As capitais dos estados tem
capacidade de tratamento. Quando se pega municípios com menos de 200 mil ou
menos de 50 mil habitantes, praticamente tem muito pouco tratamento nessas
áreas”, explicou o coordenador da ANA.
Segundo a ONU, cerca de 1,8 bilhão de pessoas no mundo usam
fontes de água contaminadas por fezes para beber, e, a cada ano, 842 mil mortes
são relacionadas a falta de saneamento e
higiene, bem como ao consumo de água imprópria.
Por isso, para garantir a utilização sustentável dos
recursos hídricos, é preciso implementar políticas eficazes de saneamento e de
reúso. A organização aponta que as águas residuais podem ser reaproveitadas na
indústria, em setores que não precisam tornar a água potável para utilizá-la
como insumo. É o caso de sistemas de aquecimento e resfriamento, por exemplo.
Reúso industrial
Sozinha, a indústria é responsável por 22% do consumo de
água mundial.
Segundo Garcia, o reúso praticamente inexiste no Brasil,
exceto em algumas iniciativas da grande indústria, que está se organizando e
fazendo tratamento de esgoto para a reutilização. “A indústria tem um
disciplinamento bom. Em tese, você tem um normativo que não deve utilizar água
de boa qualidade, a não ser que esteja sobrando muito, para usos onde você tem
condição de atender com água de qualidade inferior. É um ponto importante da
gestão da água que precisamos observar e o reúso possibilita isso”, disse.
Ele deu como exemplo uma iniciativa público-privada para a
produção de água de reúso industrial, o Aquapolo, em São Paulo. Resultado
de uma parceria entre a Odebrecht
Ambiental e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o
sistema fornece por contrato 650 litros por segundo de água de reúso para o
Polo Petroquímico da região do ABC Paulista, que a utiliza para limpar torres
de resfriamento e caldeiras, principalmente. Isso equivale ao abastecimento de
uma cidade de 500 mil habitantes.
Há ainda iniciativas industriais localizadas que também são
exemplos de boa gestão dos recursos hídricos. No Distrito Federal, o Grupotecno
faz o reúso da água em sua usina de concreto. O sócio-proprietário Fábio Caribé
conta que cerca de 30 mil litros de água são reutilizados por dia, provenientes
do sistema de pulverização dos caminhões betoneira. Durante o processo de
carregamento, eles precisam ser pulverizados com água para evitar a dispersão
de poeira de cimento no ar.
“Não estamos retirando essa água do meio ambiente. A minha
preocupação sempre foi de implantar um sistema que utilize o mínimo necessário
de água para operar. A água utilizada no abafamento dessa poeira volta para o
sistema e fica indo e voltando”, disse, contando que a empresa entrou em
atividade em 2013 já com o sistema de reciclagem de água.
O processo de limpeza da água é feito através de separação
física por decantação dos elementos contaminantes e por filtragem. A água
residual é, então, utilizada no próprio sistema de pulverização e na manutenção
da empresa, como umedecimento e limpeza dos pátios e lavagem dos caminhões.
“Nós temos uma outorga que nos permite utilizar 100 mil
litros de água por dia do solo. Dessa água utilizamos hoje de 75 a 89 mil
litros de água por dia. Desse volume, 30 mil nós reciclamos por dia. Ou seja, é
como se eu tivesse um reserva técnica para ampliar a produção da empresa sem
necessariamente retirar mais água do subsolo”, explicou Caribé.
Segundo ele, o custo de R$ 100 mil, em três anos, desse
sistema de reciclagem está amortizado. “Já tivemos um retorno financeiro. E
nosso passivo ambiental é muito menor do que seria se não tivéssemos o
sistema”, explicou.
Além da reciclagem de água, o Grupotecno também trabalha a
reutilização de concretos excedentes em obras e pesquisa a utilização de
materiais, como restos de plásticos, para incorporar ao concreto fabricado, sem
que haja baixa na resistência e durabilidade. A empresa tem ainda uma
tecnologia de concretos permeáveis, que permite a passagem da água, que podem
ser instalados em calçadas e estacionamentos, por exemplo, além de desenvolver
projetos residenciais com eficiência elétrica, térmica e hidráulica.
“Nós temos tecnologia, o que falta é conhecimento e busca
pelo uso. O Brasil é o país mais rico do mundo, a nossa vocação é ser um país
de ponta, mas isso depende de decisões políticas. Vale a pena ser sustentável.
Não é só a gente que agradece, é a coletividade. Se todo mundo pensasse assim,
acho que teríamos uma realidade diferente”, destacou Caribé.
Edição: Lílian Beraldo/Agência Brasil
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